Share |

Discurso do BE na Sessão do 25 de Abril de 2015 na Assembleia Municipal da Amadora

Celebração dos 41 anos de uma revolução.

Intervim nesta mesma sessão solene há três anos atrás em nome do Bloco de Esquerda e recordando aquilo que aqui disse, lamento a precisão do diagnóstico que o BE fazia na altura. Lamento-a porque poderia, para bem de todo este país, estar errada. Mas estava certíssima.

41 anos depois de uma revolução.

Materialmente, o que é que o arco da governação ainda não conseguiu destruir? Ainda há algum indício da redistribuição da riqueza que se fez nessa altura? Na transferência histórica de rendimentos da esterilidade do capital para trabalhadoras e trabalhadores, camponeses, soldados? Sim, ainda sobram algumas coisas. São aquelas que estão na mira das privatizações do governo. Muitas coisas já se disseram sobre o actual governo, o governo de Passos Coelho e Paulo Portas, que era o pior governo da nossa História, o que produziu a maior transferência de riqueza no sentido contrário ao do 25 de Abril de que há memória. E provavelmente é verdade. Estes dois partidos, que historicamente se opuseram a tudo o que foi conquistado há 41 anos, conseguiram a sua oportunidade de conseguir ter um governo, uma maioria e um presidente para produzir o mais bem sucedido roubo organizado da História deste país. Não vamos naturalmente exonerar o Partido Socialista de culpas, pois muitas das suas políticas foram naturalmente e prometem voltar a ser, as políticas do saque, as políticas da privatização, as políticas do desemprego, da precariedade, do assalto a quem trabalha, do roubo do salário directo e indirecto, do desmantelamento do Estado Social.

Mas comecemos por olhar para o último ano antes de uma perspectiva de fundo do que significa o assalto aos portugueses da governação destes três partidos desde 1975. Ontem mesmo 20 directores de imprensa de órgãos de comunicação social se insurgiram publicamente contra o ataque directo à imprensa que estava a ser cozinhado por PS, PSD e CDS para haver uma cobertura noticiosa das eleições que tivesse que ser pré-aprovada. Longe de mim vir dizer que a imprensa portuguesa é hoje imparcial, livre ou particularmente diversa, mas até os próprios jornais, rádios e televisões que sustentam a vossa podridão se vieram insurgir contra vocês. Será de esperar, talvez num próximo governo, qualquer que seja a sua respeitável composição, avançar-se para uma lei da Mordaça, como Rajoy implementou aqui ao lado no Estado Espanhol? Mas como o governo está a chegar ao fim e já se venderam os anéis, o que melhor fazer que aproveitar para vender os dedos, cortando já unhas, falanginhas e falangetas? E por isso avança-se, raspa-se quase no fundo para tentar vender tudo o que pagámos com os nossos impostos durante estes anos todos: agora, à pressa, a TAP, a Carris e o Metro. Até o Oceanário se privatiza. O Novo BES lá há de ir por uma tuta e meia. A falta de vergonha desta governo só anda a par da sua subserviência. O governo não é um edifício para cair, nem uma nódoa para limpar com benzina, é um parasita que nos suga o sangue a todos e pretende continuar a sangrar-nos. As galinhas dos ovos de ouro, a Segurança Social e a Água, continuam a saque. A sua privatização é o último grande objectivo, provavelmente já não sob a supervisão PSD-CDS da governação alemã, mas no seu esquema rotativo em que PS assume o papel de capataz. Por isso tanta conversa sobre TSUs, é que para manter a senda de fazer concretizar profecias, depois de falir o estado como previam e falir as pessoas como omitiam, é preciso garantir a insustentabilidade da Segurança Social para torná-la insustentável como antes se havia prometido. Que melhor fazer que pôr o maior dos jotinhas, Pedro Mota Soares, a destruí-la todos os dias? Não há melhor maneira de falir um Estado do que geri-lo. E nisso temos que parabenizar PS, PSD e CDS: bom trabalho! Bela falência. Missão cumprida, como diria o vosso idolatrado George Bush, em pé num porta-aviões depois da invasão do Iraque que numa nota cómica comprou o assento de Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia.

41 anos depois de uma revolução. Claro que não podemos esquecer-nos de que vivemos num mundo globalizado e que os anos desde que fizemos essa revolução viraram o mundo de pernas para o ar. Longe de um ambiente progressista e humanitário, hoje perdemo-nos em tantas guerras às drogas, guerras ao terrorismo, guerras aos imigrantes, guerras ao próprio ambiente. Tudo sempre e para que o belo comércio livre funcione. O comércio que permite extrair os recursos naturais de África e do Médio Oriente, o comércio que permite exportar resíduos tóxicos e nucleares para África, o mesmo comércio que impede que imigrantes em fuga de guerras, de secas, de perseguição religiosa, da fome, possam encontrar refúgio na Europa. E falando nos últimos 41 anos: que Europa! Quem a viu e quem a vê. Hoje parece aquecer no lume todos os ingredientes que fizeram duas guerras mundiais: loucura financeira do polvo bancário, hedge funds, e outros especuladores selvagens, restrições orçamentais draconianas, desemprego histórico, salários de miséria, racismo, homofobia, ódio entre os povos, chantagem, opressão e tanta, mas tanta subserviência. E vendo tudo isto, aumenta o lume. Sempre no caminho certo, até porque não há outro e a história parece que acabou em 1992 ou 1989, não é? Os pobres e podres consensos aguentam-se mesmo quando a história começou a andar ao contrário e já não bate a bota com a perdigota, quando os modelos económicos falhavam sempre, como continuam a falhar, quando a insubmissão respondia em tantos sítios à submissão. Quando a Argentina não pagou ao FMI, quando África deixou de pedir empréstimos ao FMI e ao Banco Mundial, quando a Venezuela e a Bolívia socializaram parte importante da sua riqueza e deram-na ao povo, quando o Equador recusou-se a pagar as dívidas dos seus ricos, quando a Islândia recusou-se a entrar na União Europeia, quando em Seattle se travou a Organização Mundial do Comércio. Quando o capitalismo produzia o segundo grande Crash da bolsa, e a Segunda Grande Depressão. Só que desta vez os especuladores não se suicidaram atirando-se das janelas. Atiraram foi as pessoas que nada tinham que ver com isso pelas janelas. Mas não podemos ter nenhuma ilusão em relação ao efeito que o que se passou no mundo teve em Portugal. O acesso a crédito barato da União Europeia, em troca do desmantelamento do aparelho produtivo do país serviu para manter os salários em baixo, as leis da Europa ajudaram a vontade que PS, PSD e CDS tinham de devolver os serviços e as empresas nacionalizadas às mãos dos privados, a UE ajudou a precarizar e os patrões esfregaram as mãos. Privatizar porque os privados é que gerem bem, não é? Aliás, a crise bancária é obviamente uma crise de uma empresa gerida publicamente, não é? Ou a indústria falida, também é pública, não é? Vamos olhar para a EDP: continua a receber dinheiro do Estado português através de múltiplas portas, garantias de potências, PPPs, etc. É gerida por um ex-ministro do PSD que ganha 1640 euros por dia, que agora trabalha para o Comité Central Chinês. A conta da luz no entanto, não pára da aumentar. É que a liberalização baixa os preços. Mas não é bem uma empresa privada. É que estes dogmas liberais são só verbo de encher. Na hora do Estado salvar bancos, os liberais são todos bombeiros desde que nasceram, para depois devolver ao privado, já sem as dívidas, e com todos os lucros. É o chamado liberal-clientismo. Há quem lhe chame corrupção, mas não é necessariamente ilegal. O capitalismo tem estas subtilezas, e o assalto ao Estado permite naturalmente transformar o ilegal em legal. Como explicar o agora Secretário de Estado responsável pelas privatizações, Sérgio Monteiro, que assinava PPP do lado do privado e agora privatiza a ANA, CTT, transportes? Este Secretário de Estado que, do lado do privado e em conjunto com a actual Ministra das Finanças, assinava swaps que deram centenas de milhões de euros de prejuízo? Tudo legal. Tal como o ex-ministro das Obras Públicas, o famoso Jorge Coelho do PS, que saiu das Obras Públicas para dirigir a Mota-Engil a quem concessionava pelo Estado as obras que depois foi executar? Ou no mesmo ministério, Ferreira do Amaral, do PSD, que saiu do Governo para a Lusoponte, cujas pontes concessionara enquanto era ministro? Tudo legal. Falta, claro, o ilegal. O ex-primeiro-ministro do PS preso (ainda presumivelmente inocente até julgamento). O vice-primeiro-ministro cujo processo dos submarinos foi arquivado, embora na Alemanha os corruptores tenham sido julgados e condenados. Talvez acabado este governo haja um ajuste de contas por causa de Sócrates e Portas tenha de utilizar as relações estrangeiras para procurar um acordo de não-extradição. O caso Portucale, julgado, com ilegalidades, mais uma vez sem culpados. Armando Vara, o último candidato PS não vencedor à Câmara da Amadora, ex-secretário de Estado e ex-Ministro, condenado por corrupção política, entre outras coisas. Duarte Lima e Oliveira e Costa, os fiéis de Cavaco Silva, por tantas. Seguramente que ninguém esperava que com uma revolução acabasse o crime ou a corrupção. Mas o sentido de oportunidade, tal como o sentido de oportunismo político de PS, PSD e CDS sempre demonstraram ao que vinham e que bolo delicioso que havia no controlo do Estado. Sendo o saque legal ou ilegal. Claro que houve algumas importantes excepções que passaram as fileiras de PS, PSD e CDS, nos governos nacionais e locais, iludidos e desiludidos e até algumas e alguns que conseguiram desacelerar a destruição. Mas nunca deixaram de ser excepções.

Que não haja qualquer dúvida: a falência e o saque do Estado português são o património social colectivo que PS, PSD e CDS efectuaram desde que chegaram ao poder.  

Amadora, o município de Abril, não é neste caso excepção. Com amplas dificuldades para os seus munícipes, a Câmara orgulha-se publicamente dos seus cofres cheios, das suas dezenas de milhões de euros armazenados e a ganhar juros, enquanto promove a demolição de casas das pessoas mais pobres do concelho sem alternativas. A noção de que gerir a coisa pública é como gerir uma empresa, mais uma vez aplicada à realidade, o dinheiro como fim e não como meio é a deturpação económica a que nos procuram subjugar. Mas a defesa das populações não pode fazer parte dos mandatos dos cofres cheios. Se estão cheios enquanto as pessoas estão a passar necessidades, são um roubo. Legal, mas um roubo na mesma.

Certamente que haverá todo o tipo de justificações. Que o mundo é assim. Que o 25 de Abril foi uma sensação que já passou. Os do actual governo vão encher a boca para dizer mentiras – aliás desde que o primeiro-ministro não pagou a segurança social durante 5 anos que mais poderão fazer? – de que o pior já passou, que vem aí o crescimento, blábláblá, que são muito responsáveis, etc., etc., que tiraram o país da bancarrota. Na verdade muitos nem perceberão bem aquilo que fizeram ao país. Não é possível medir imediatamente a monstruosidade que foi apenas este último mandato. A queda da esperança média de vida, o ressurgimento da ignorância massiva, do analfabetismo, do abandono escolar, o aumento das doenças. Mas mais grave, a doença mental que trazem na boca em cada discurso, em cada intervenção, que infecta com subserviência, que infecta com cobardia, que infecta com derrotismo. Os do futuro governo aprenderam com este e já se preparam uma vez mais para a gestão da miséria, com umas migalhinhas aqui e uns pozinhos ali, para simularem uma diferença que, infelizmente, não existe.

Recordo um episódio que pode desmoralizar alguns mitos do renascido espírito salazarento, que tanto se nota em Passos Coelho e Cavaco Silva, o mito do vetusto que morreu sem um tusto, da dignidade governativa de António Oliveira Salazar, que não se enriqueceu no seu cargo e que deu tudo por um pátria em que esmagou e tirou tudo aos outros, inclusivamente a esperança, tendo morrido pobrezinho e, portanto, honesto: em 1968, depois da queda da cadeira, foi-lhe reservada uma ala inteira na Casa da Cruz Vermelha de Benfica. Quando caiu da cadeira, tinha uma quinta no Vimieiro e uma abastada conta bancária, condicente com a sua posição de ditador. No entanto, teve direito à inexistente protecção social do Estado Novo. Internado e incapacitado, foi exonerado e substituído por Marcelo Caetano. Como estava desempregado e a ala e os tratamentos eram uma fortuna, a sua choruda conta foi-se esvaziando. Tanto foi que Américo Tomás teve que aprovar legislação para que o Estado tivesse que pagar os tratamentos do ex-ditador. Além disso, também foi mantida a sua governante, chauffer, residência e viatura de Estado. Em Julho de 1970 morreu com todas estas regalias e recebendo tratamentos médicos pagos por todos os cidadãos mas negados aos mesmos.

41 anos depois de uma revolução. Que futuro? É fácil deixarmo-nos abater, tal é a máquina de propaganda, a mentira permanente, a alucinação colectiva com que os sucessivos governos se vão dirigindo a nós. E espero, para bem dessas pessoas, que sejam estejam conscientes das mentiras, porque acreditar nas barbaridades que saem dessas bocas é um sinal de perturbações mentais. Para as pessoas, o mais importante é perceberem que não estão sós. Saber que somos milhões que pensam assim, que sabem, que querem um país melhor, um mundo melhor do aquele que este capitalismo pestilento que estas atrasadas elites dizem ser o único mundo possível. No dia 25 de Abril comemoramos o acto revolucionário que é dizer a verdade, sem medos. Não saíremos da situação em que estamos insistindo nos mesmos actores que nos meteram na mesma. Aliás, eles mesmos já nos dizem que não têm nada de diferente para oferecer: pobreza rosa, pobreza laranja ou paupérrima azul e amarela. O 25 de Abril deu-nos coisas maravilhosas, entre elas a escolha. E se materialmente o arco da governação conseguiu tirar quase tudo, não conseguiu tirar-nos a liberdade, o espírito desafiante e inconformado, a irreverência. Por isso é preciso desafiar quem nos quer tirar as escolhas, quem nos diz que é inevitável, que não há outro caminho.  É mentira. É só mais uma mentira que usaram nas últimas décadas para nos esconder o que foi o 25 de Abril.

É preciso responder-lhes, assim, mesmo nas trombas: Inevitável é a tua tia! 

25 de Abril, sempre