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A privatização é mais uma peça do puzzle ideológico do governo

O sector dos transportes é um serviço público que deve continuar a servir os interesses das populações, afirmou a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, que se manifestou assim contra a intenção do governo em proceder à sua privatização dado que esta terá consequências na qualidade dos seus serviços e não resolverá nenhum dos problemas de fundo nomeadamente aqueles que se prendem com uma gestão orientada para a satisfação das necessidades dos utentes.

A sessão pública organizada pela concelhia do Bloco de Esquerda da Amadora que decorreu este sábado no auditório da Junta de Freguesia da Mina de Água contou ainda com a presença de Fernando Nunes da Silva, professor universitário e Presidente da Comissão de Transportes da Área Metropolitana de Lisboa (AML) e de José Ferreira activista sindical e motorista da empresa VIMECA.

“O governo tem usado vários argumentos para justificar a sua intenção de privatizar ou concessionar os transportes públicos que urge desmistificar porque assentam em pressupostos que não correspondem à verdade como por exemplo os elevados níveis de endividamento destas empresas públicas que se não forem privatizadas terão de continuar a ser suportados pelos contribuintes, afirmou a deputada do BE.

“Sabemos por experiência própria que os privados nunca assumem as dívidas das empresas; essas continuam do lado do Estado, ou seja, dos cidadãos, que assim passam a ter menos serviços com custos mais elevados”, sublinhou Mariana Mortágua tendo ainda acrescentado: “a actual maioria governamental já procedeu ao maior aumento do preço dos transportes das últimas décadas tendo ainda suprimido muitas carreiras que deixaram algumas zonas da grande Lisboa sem serviços de transportes. Imagine-se o que será quando estas empresas passarem para as mãos de privados.

 

Um diálogo de surdos

Fernando Nunes da Silva afirmou que é preciso rever todo o sistema uma vez que este está hoje “desajustado” em relação às necessidades reais das pessoas. “Se é verdade que podemos falar ainda nas chamadas horas de ponta que ocorrem pela manhã e ao final do dia, há que ter em conta que hoje a diversificação dos horários laborais é muito mais ampla. E os responsáveis governamentais não têm revelado qualquer interesse na promoção de políticas integradas de transportes que possam ir ao encontro dessa nova realidade. E é também por isso que estas empresas têm vindo a perder passageiros. Em vez de se caminhar no sentido de limitar o uso de carro próprio dentro das cidades com vista a melhorar a qualidade ambiental e a mobilidade nos grandes centros urbanos segue-se a via contrária. E assim tudo fica mais difícil e dispendioso.”

A este propósito Nunes da Silva disse ainda: “ temos vindo a falar com o governo sobre esta matéria no sentido de o alertar para a necessidade de proceder a uma profunda revisão do sistema de transportes. Mas é algo que eu poderia qualificar como um diálogo de surdos porque a privatização é a única estratégia que querem seguir. Há aqui uma obsessão de cariz puramente ideológico." E acrescentou: “Há uns anos a Carris transportava cerca de 500 milhões de passageiros por ano e neste momento esse número não ultrapassa os 100 milhões. Perante estes números importa perguntar se os portugueses enriqueceram de forma tão significativa que já não necessitam de andar de autocarro? Ou, ao invés, deixaram de o fazer por falta de meios e também porque os percursos da transportadora deixaram muitas pessoas “ apeadas”? Perante esta realidade, o governo responde com o silêncio.”

Para este professor universitário, há que envolver os municípios na gestão da rede de transportes públicos porque as autarquias estão mais próximas dos cidadãos e por isso conhecem melhor a realidade que na maior parte das vezes é olhada pelo poder central de uma forma “puramente abstrata.”

Nunes da Silva defende assim a municipalização dos transportes e aponta para novas formas de financiamento dando como exemplo a publicidade. Algo que já foi feito em S. Paulo, no Brasil, com resultados que considerou “ positivos”.

 

Apostar na economia rejeitando a visão economicista

José Ferreira da Vimeca sublinhou a visão de “ lucro imediato” levada a cabo pela empresa onde trabalha há cerca de 20 anos.

Não há hoje na empresa “preocupação com a qualidade dos serviços nem com os direitos dos trabalhadores. Muitas vezes, os percursos são habilidosamente alterados para se tornarem mais longos e assim haver uma justificação para aumentar o preço dos bilhetes.”

Critica ainda o “desinvestimento” na segurança dos motoristas e dos passageiros e também o facto de em muitas zonas onde a empresa opera deixar de haver carreiras a partir das 20/ 21 horas. “É preciso não esquecer que há pessoas que têm horários de trabalho até à meia-noite e que ficam sem qualquer meio de transporte. Quando essa questão é colocada aos responsáveis empresa a resposta é que não é “rentável manter em circulação um autocarro que transporta 10 ou 20 pessoas.”

“É preciso que as comissões de utentes sejam mais activas nas suas reivindicações ultrapassando assim a apatia que se nota na sociedade em geral. Porque o serviço público de transportes é um direito e não um favor que é prestado aos cidadãos.“

Durante a sessão, a deputada bloquista manifestou-se ainda a favor de uma “maior intervenção dos municípios na questão dos transportes públicos mas não deixou de afirmar que “o Estado não pode demitir-se das suas responsabilidades nesta matéria.”

“Precisamos de uma boa gestão para o sector e o Estado tem aqui um papel decisivo. Porque os transportes são fundamentais para a recuperação económica do país. Fugir a esta responsabilidade é contribuir para o contínuo empobrecimento do país. A problemática dos transportes é essencialmente política que não se resolve com decisões mais ou menos peregrinas de que o Estado é mau e gastador pelo que a única solução é entregar tudo a privados. O que é falso e por isso tem de ser desmistificado. Os últimos tempos têm aliás demonstrado os bons critérios de administração de muitas empresas privadas,” ironizou.

 

por Pedro Ferreira
membro da Coordenadora Concelhia do Bloco de Esquerda da Amadora