Comemoramos 41 anos de Abril, mês que nos devolveu a Portugal a Democracia e a liberdade. O 25 de Abril foi feito para cortar com o passado. Foi feito para que todos e todas pudessem construir o futuro, participando no presente. Com o 25 de Abril devolveu-se a esperança a um povo, conquistaram-se direitos, afirmámo-nos como um projecto de modernidade e de cidadania.
Cresci fascinado por Abril. Sabia que no mês de Abril eram publicadas todas as histórias, sabia que os programas televisivos e radiofónicos davam destaque à revolução, ouvia e lia os intervenientes, dos mais conhecidos aos anónimos que ajudaram a construir a revolução. Todos os pormenores me interessavam. Ainda esta semana ouvi aqui, na Amadora, Mário Tomé, Santos Silva, Otelo Saraiva de Carvalho e outros e outras a contarem pormenores interessantíssimos sobre o derrube do fascismo. Conheci a D.Celeste Caeiro, a mulher que num simples gesto de camaradagem e coragem tornou o cravo como a flor de abril.
Mas actualmente estes momentos desaguam numa pergunta de fatalismo: valeu a pena fazer abril?
Todas as conquistas, na saúde, na educação, na segurança, no trabalho, no poder local. Todas estas vitórias se tornam hoje pesadas derrotas, encobertas pela justificação da crise, da inevitável e irrevogável solução baseada na salvaguarda da banca e não das pessoas.
Sente-se a nortada da austeridade e, mais do que isso, esses ventos acompanha-nos num futuro ainda mais sombrio.
Atualização após atualização percebemos o erro das previsões do governo, e sabemos que todas as soluções que o Governo nos tenta vender são apenas prolongamentos da agonia que lentamente acaba com o estado social.
São as privatizações na Água, nos Resíduos, nos Transportes, é o prolongamento dos cortes salariais, menos 600 milhões nas pensões, das limitações na autonomia do poder local, que iludido por vantagens financeiras se apressou a aceitar a sua reforma territorial e administrativa. Hoje, com mais serviços, o poder local não pode contratar, e quando contrata oferece a precariedade como única solução.
Na Saúde, perante a degradação da qualidade dos serviços públicos encolhem-se os ombros, nada se pode fazer. Não há técnicos de saúde e os poucos que existem não chegam para tanta necessidade. As condições deterioram-se e ouvimos "é pouco mas é algum", transformando maldosamente a reclamação das pessoas em ingratidão.
No Ensino, Municipalizando uma das maiores responsabilidades deste país, gerando diferenças escolares entre Municípios, confusão na contratação já difícil - e tão humilhante - anual dos professores, contratação através de empresas cujos direitos e princípios desconhecemos. Preparam-nos para transformar o ensino num negócio, pondo em causa o projecto pedagógico nacional. Vendem-nos mais uma vez.
Na Habitação continuamos a assistir ao aumento de despejos por incumprimento, à degradação do parque habitacional, ao regresso dos filhos a casa dos pais, que pouco mais ajudam com as suas já parcas reformas. Uma pessoa é uma pessoa, seja ela de onde for tem direito a uma habitação, é um direito constitucional. Mais pobre que ignorar a Constituição é ignorar um ser humano. E são muitos os ignorados, que, escondidos nos escombros, continuam a tentar sobreviver.
Os direitos laborais são erradicados. A saúde é vendida. A segurança social intimada ao suicídio de termos exportado, os nossos jovens, os nossos cientistas, a nossa mão-de-obra. Somos fustigados, explorados, enganados, precarizados, endividados, vendidos, retalhados. Pagamos a divida, a banca, as PPP’s e uma gorda e confortável clientela que por sua vez só se alimenta a si própria.
Não importa se é apenas uma pessoa sem casa, duas pessoas sem médico de família, três pessoas sem emprego, uma escola com menos dois professores. Não há números menos maus. Uma pessoa deverá sempre ser uma preocupação para todos nós.
Estranhos tempos estes em que se calam as vozes dos mais pobres, daqueles que escolhem um caminho diferente. Estranhos tempos estes em que numa freguesia da Amadora se recusa aceitar uma saudação ao 25 de Abril.
Não voltaremos para trás.
É cada vez mais necessário criar uma rotura com esta política de empobrecimento. Hoje sabemos que quem nos meteu na crise não nos fará sair dela. Cumprir Abril é acabar com o ataque ao estado democrático com determinação e orgulho, é defender a Constituição da República, acabar com as injustiças e desigualdades e reclamar a reposição dos direitos sociais. Perante a injustiça podemos sentirmo-nos impotentes mas nunca seremos impotentes no seu protesto.
Saúdo, de forma particular mas justa e devida, todas e todos aqueles, que não se resignam, que não baixam os braços, que perante as injustiças não se calam, que perante a passividade se mexem. Podem dizer que são utópicos ou sonhadores, que vivem um conto de fadas. Antes querer viver um conto de fadas que uma história de terror.
Esses Homens e Mulheres cumprem o mandato de Abril, e com coragem e determinação nos deixam uma vibrante lição de cidadania que a nossa história registará.
Termino com uma frase de Miguel Portas, enorme Homem que perdemos faz hoje 3 anos.
“As atitudes têm que servir para algo mais do que conquistar votos ou justificar passados. Têm de ajudar a inventar um futuro onde as pessoas possam crescer não em função do que têm mas do que podem ser. Pelos de baixo. Sem e com os de baixo”
Viva o 25 de Abril!
por Luís Costa
membro da Coordenadora Concelhia da Amadora